Ana Rita Rodrigues escreve, num artigo para o Vida Económica, sobre a suspensão dos processos de despejo nos casos de resolução por falta de pagamento.
Desde o primeiro regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19 imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na versão atualizada conferida pelas Leis n.º 16/2020, de 29/05, e n.º 58-A/2020, de 30/09, que os procedimentos especiais de despejo que deram entrada no Balcão Nacional de Arrendamento ficaram imediatamente suspensos sem qualquer análise prévia.
O entendimento manifestado pelo BNA, e o que tem vindo efetivamente a suceder, é que qualquer tipo de procedimento especial de despejo que ali seja entregue, fica paralisado, até que seja determinado o fim da suspensão imposta pelas referidas leis.
Na realidade, ressalvado o devido respeito, nunca os procedimentos especiais de despejo deveriam ter sido alvo de imediata e/ou automática suspensão por via da referida lei, uma vez que da mesma resultava claro que teria de ser alegada a eventual situação de fragilidade da arrendatária.
Questão distinta, e que importa ressalvar, é a suspensão imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na versão conferida pela Lei n.º 58-A/2020, de 30 de setembro, em situações de denúncia pelo senhorio, caducidade do contrato, revogação ou sequer de uma situação de oposição à renovação.
Porém, nos casos de resolução por falta de pagamento de rendas, ao abrigo dos artigos 1083º e 1084º do C. Civil, em que muitos deles o incumprimento remonta inclusive a período anterior à situação epidemiológica que levou à criação da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não existe qualquer fundamento legal para as suspensões automáticas que se têm vindo a verificar!
Esta suspensão automática que tem vindo a operar no BNA, a nosso ver contraria em absoluto o principio da garantia de acesso aos tribunais (artigo 2º do Código Processo Civil), assim como o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado no artº 20º da Constituição da Republica Portuguesa, como direito fundamental, que visa assegurar que ninguém seja impedido de dar a conhecer ou a exercer a defesa dos seus direitos.
E se dúvidas existissem, por via da recente publicação da Lei nº 4-B/2021 de 01/02, o artigo 6ºB, prevê no seu nº 11 precisamente que, (…) São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
Se dúvidas existissem, esperemos que tenham finalmente ficado sanadas com a publicação da Lei nº 4-B/2021, uma vez que refere expressamente que para ocorrer a dita suspensão (até hoje operada de modo automático pelo BNA), terá de existir:
Esperemos assim, que situações de suspensões automáticas como as que se têm verificado no BNA, sejam elas arrendamentos habitacionais ou não habitacionais, mereçam agora um novo impulso e ganhem por isso um novo rumo, evitando que se beneficiem uns em detrimento de outros, sem que exista a apreciação, séria e objetiva das reais circunstâncias de cada caso.
Ana Rita Rodrigues | Associada Sénior | rita.rodrigues@pra.pt