Luís Gonçalves Lira aborda a medida de coação de suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos.
A medida de coação de suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos está prevista no artigo 199.º do CPP.
Ora, com a medida de coação prevista no artigo 199.º do CPP pretende a lei acautelar a eficácia punitiva da sanção acessória prevista no artigo 66.º do CP: proibição de exercício de função.
Dito isto, concluímos que, para que se possa aplicar a medida de coação de suspensão de exercício de função, é necessário que o julgador verifique do cumprimento dos seguintes pressupostos:
As profissões, funções e atividades de que os arguidos podem ser suspensos, ao abrigo do disposto no artigo 199.º do CPP, são apenas aquelas cujo exercício lhes pode vir a ser proibido nos termos do artigo 66.º do CP.
Isto significa, também, que a suspensão apenas pode ocorrer quanto à atividade no exercício da qual o crime foi praticado e não quanto a outras atividades que lhe sejam próximas.
Sem embargo, a aptidão dos factos à aplicação da pena acessória do artigo 66.º do CP não determina necessariamente a imposição da medida de coação correspondente, ou seja, a regulada no artigo 199.º do CPP, uma vez que, para tanto, é indispensável a verificação de algum dos requisitos elencados no artigo 204.º, a par das condições descritas no artigos 191.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPP, não podendo a medida de coação ser automática, em respeito pelo princípio da presunção de inocência e proporcionalidade.
Da mesma forma, também deve ser tido em linha de conta que, para a aplicação desta pena acessória – como para a aplicação de qualquer pena acessória em geral – deverá estar-se diante de um circunstancialismo de culpa e gravidade acentuada por parte do agente, ainda que tenha sido aplicada a referida medida de coação.
Além disso, uma breve nota para dizer que, quando no n.º1 do art. 66.º se refere que esta pena pode ser aplicada a quem cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, está-se aqui a referir à pena concretamente determinada e não a uma moldura abstrata.
Pois bem, em boa verdade, quer no caso de ser aplicável o Código do Trabalho à relação laboral que se irá suspender, quer no caso de ser aplicável a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, facto é que a relação laboral inerente irá efetivamente suspender-se, ao abrigo dos então artigos 295.º do CT e 277.º da LGTFP. Isto é, há uma impossibilidade temporária de prestação de trabalho. Porém, em ambas as normas legais, prevê-se a manutenção dos direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.
Ora, é certo que a retribuição depende da efetiva prestação de trabalho, sendo o contrato de trabalho um contrato sinalagmático. Neste cenário, tem vindo a concluir-se, designadamente na jurisprudência[1], que perante a aplicação da medida de coação de suspensão de exercício de função, e com a consequente suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador/arguido não tem direito à retribuição naquele período de inatividade.
Parece, contudo, que estamos aqui perante uma realidade sensível, porquanto a solução adotada sofre de tremendas fragilidades:
A verdade é que a solução legal existente é insuficiente e causa, aparentemente, bastante melindre aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que são alvos de um processo crime e nos quais devem ser tidos por inocentes até que haja uma condenação (maxime, o direito à liberdade e acesso a profissão).
Sem embargo, certo é também que não faria sentido colocar o encargo da manutenção da retribuição à entidade empregadora que, sem qualquer culpa que lhe possa ser imputada, seja a que título for, deixa de ter a prestação de trabalho por parte do dito arguido-trabalhador. Logo, parece que seria de pensar até que ponto não deveria, nestes casos, ser o Estado responsável pelo pagamento das referidas retribuições, durante o período de execução da medida de coação, em nome da preservação do princípio da presunção de inocência. Se, porventura, o cidadão optasse por voluntariamente trabalhar para uma qualquer entidade compatível, então aí deveria ser descontado no valor a pagar pelo Estado, o diferencial entre o valor da retribuição anterior à aplicação da medida de coação e o valor da retribuição auferido pelo arguido neste seu novo trabalho.
A não ser assim, e de iure constituto, pergunta-se se não estaremos perante uma dupla penalização do cidadão/arguido/trabalhador? Será que, neste caso, a prevenção – a que a medida de coação está intimamente ligada – não é excessiva em face dos interesses em causa, e na relação com o princípio da presunção de inocência? A segurança, afinal, é a de quem? Do trabalhador/arguido parece não ser.
Por fim, ainda uma breve nota para chamar à atenção de que, se um dado trabalhador foi contratado para prestar funções nas instalações de uma empresa, perante uma medida de coação de proibição de frequência das instalações da entidade empregadora, não está automaticamente a ser também aplicada a medida de coação de suspensão de exercício de função? Como é que o arguido pode trabalhar (não se suspendendo as suas funções) sem frequentar as instalações da entidade empregadora? Será esta automaticidade legítima? Parece que não. Além disso, seria exigível que a entidade empregadora adotasse a modalidade do teletrabalho? Atualmente, tal não pode ser exigido, em virtude de o Código do Trabalho não conter esta obrigatoriedade nos casos de aplicação desta medida de coação.
A verdade é que não existe, atualmente, uma solução legal para as situações ora apresentadas. Em rigor, quem acaba por ser especialmente prejudicado é o trabalhador, na medida em que a sua posição não é acautelada. No entanto, não poderá tentar colmatar-se tal situação onerando a entidade empregadora que, sem culpa, se vê privada do labor de um dado trabalhador. Pelo que, na verdade, só poderá o Estado assumir esta responsabilidade, ainda que de forma latente.
Luís Gonçalves Lira | Associado | luis.lira@pra.pt
[1] Vide, a título de exemplo, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09/05/2019 ou Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/06/2011.